Fotografia de Eduardo Portugal anos 50
"E eis-nos chegados à ponte que a Câmara de Lisboa fez construir em 1608 por conta do Real do Povo, mercê dos esforços e da tenacidade de um arrábico, que levou muitos anos de vida exemplar no convento de São José de Ribamar, chamado, em religião, frei Rodrigo de Deus."
Mário de Sampayo Ribeiro
"Da Velha Algés"
Separata do Boletim Cultural e Estatísco da Câmara Municipal de Lisboa
Volume 1 - nº 3, 1938
Fotografia sem autor, anos 40
Mário de Sampayo Ribeiro (cuja obra acima referida admiro particularmente) menciona em
"Da Velha Algés" o detalhado relato sobre a construção da Ponte Velha de frei António da Piedade sobre a Ponte Velha de Algés, o qual passo a publicar abaixo :
Joaquim Boiça, reputado historiador da região de Lisboa também nos trás um excelente texto referente a esta temática:
"No início do ano de 1848, numa publicação periódica lisboeta, a «Revista Popular», semanário de «Literatura e Indústria» que se fazia acompanhar de «gravuras originais em madeira executadas por artistas nacionais», foi impressa a que reputamos ser a mais antiga representação da desaparecida
Ponte de Algés, construída em 1608.
A gravura, de um artista não identificado, possui indiscutível valor iconográfico e documental. Com um traço vigoroso e razoável rigor representativo, revelam-se as características construtivas da velha ponte, que possuía um só arco, de volta perfeita, com o tabuleiro de circulação a acompanhar a sua
modelação e alçado marcado por pilaretes e pináculos, solução que emprestava uma maior elegância formal ao conjunto. O enquadramento paisagístico, próximo e longínquo, revela a vegetação que brotava junto à ribeira, o muro delimitador e um renque de árvores da quinta dos duques de Cadaval,
na margem esquerda, e uma casa, em posição travessa, na margem direita, e, servindo de ponto de fuga de toda a composição, dois moinhos nos cabeços de Linda-a-Velha (*).
Para lá da realidade representada, de meados do século XIX, que não diferiria muito da do tempo da fundação da ponte, a gravura encerra outras dimensões. Evoca a memória histórica de uma época em que as ribeiras, mais ou menos caudalosas, que rasgavam o território oeirense e juntavam as suas águas às do Tejo começaram a deixar de ser obstáculos à circulação de gentes e de mercadorias que «das partes de Cascais, Oeiras e outros lugares » pretendiam ir à capital (Frei António da Piedade, Crónica da Província de Santa Maria da Arrábida…, 1737) e evoca a acção determinante de um
frade de Santa Catarina de Ribamar, Frei Rodrigo de Deus, que obteve junto da Câmara de Lisboa a autorização e os meios indispensáveis à construção das três pontes que passaram a servir o então Reguengo de Algés (sobre as ribeiras de Algés, Linda-a-Pastora e Laveiras). Evoca, por outro lado, uma paisagem natural e construída há muito desaparecida, seja a que a gravura reproduz, numa atmosfera vincadamente bucólica e pitoresca que sensibilizou outros artistas, como o rei D. Carlos (desenho a carvão, de 1886, muito pouco conhecido, da «Ponte de Algés»), seja a que, num registo histórico evolutivo, emerge em inícios do século XX, em que junto à ponte, qual fronteira, surgem as chamadas «Portas de Algés», de controlo alfandegário e policial, um moinho «americano», outras duas pontes e construções urbanas que o tempo também acabaria por consumir. Evoca, ainda, mil e uma estórias e vivências, que aqui, necessariamente, ficam por contar."
UMA DESCOBERTA OCASIONAL
De facto este mundo tem coisas do "arco da velha"...
Andava há anos em busca das lápides da antiga ponte velha de Algés e depois de muito procurar, pesquisar em arquivos e após diversos contactos para a CMO e CML, cheguei à triste conclusão de que teriam eventualmente desaparecido para sempre perdidas algures num meandro camarário, a verdade é que nenhuma entidade, obra ou arquivo me conseguia explicar onde teria sido depositado tão grande pedaço da história algesina.
A ponte velha de Algés foi construída em 1608 e demolida nos anos 40 do século passado aquando do encanamento da ribeira, desde esse acontecimento que nunca mais se soube do seu paradeiro, até que ...
O ano passado de visita ao Palácio Pimenta, onde esta instalado o museu da cidade de Lisboa, a propósito de ver pessoalmente algumas peças e os jardins, aproveitei e visitei a exposição permanente sobre a história de Lisboa. Uma vez que foi a primeira visita que efectuei, sentia uma lógica curiosidade sobre o que iria encontrar naquelas salas. Ao entrar na primeira sala, parei no centro para efectuar uma vista geral ... louças de várias origens e vidros descobertos na Casa dos Bicos e no campo das Cebolas, alguns magníficos painéis de azulejo retratando a Lisboa pré terremoto de 1755, sinos de antigas igrejas lisboetas e alguns pedaços de edifícios retirados dos escombros do terremoto ... de repente algo me chamou a atenção, junto à entrada perto de mim, duas lápides uma com o brasão da cidade outra dizendo "A CIDADE MANDOU FAZER ESTA PONTE NO ANO DE 1608"... ao ler estas palavras quedei-me entregue a uma imensidão de pensamentos em catadupa, seria possível que, aquelas sejam as lápides da ponte Velha de Algés que há anos procurava e que ninguém sabia onde se encontravam? Eram idênticas em tudo, mas sabendo eu que a cidade de Lisboa mandou construir diversas pontes nesse ano, pelo menos três no concelho de Oeiras e outras tantas em Lisboa (em todas foram colocadas lápides idênticas, como na da Cruz Quebrada por ex), seria necessário ou a comparação fotográfica, ou a existência da sua proveniência nos registos das peças. As peças eram o item nº 1 e 2 da exposição, e na discrição apenas constava: "lápides com o brasão da cidade e data de construção 1608", nada que me indicasse de onde teriam sido retiradas, perguntei aos técnicos da CML no local, nada sabiam, consultou-se o arquivo on line a descrição era a mesma, no entretanto chama-se mais um técnico que prometeu ir investigar a questão e a coisa ficou por ali.
Fotografei então as lápides mas desde logo, as fracturas no cimo, onde originalmente se encontravam duas cruzes, me pereceram familiares, e não me enganei, ao comparar as peças existentes na exposição com as fotografias que temos em arquivo, as semelhanças são evidentes e claras.
Estava portanto, perante uma importante relíquia das memórias algesinas, felizmente estão bem conservadas, expostas ao público para que todos as possam apreciar, tinha-se era perdido o conhecimento da sua origem e o seu passado, mesmo assim foram consideradas de muito relevo pela CML, a ponto de serem apresentadas nesta importante exposição.
Informei então a CML destes novos dados, de modo a que fossem atribuída a correcta classificação ás peças, conservando-se assim, para memória futura um pedaço de história de Algés que se julgava desaparecida, bendita a hora em que me lembrei de visitar o palácio Pimenta e o museu da cidade.
Mas a história rocambolesca deste património não ficaria por aqui. Regressei uns meses depois ao Museu da Cidade no palácio Pimenta para rever as peças nº 1 e 2 da sua exposição, as lápides da ponte velha de Algés. Uma visita que juntou uma tarde de lazer com a família ao meu hobby pessoal (a história da cidade), não podia deixar de constar rever as lápides da "nossa" ponte para verificar a alteração solicitada por mim no arquivo e na legenda das duas peças. Tinha sido solicitada pela Gazeta a revisão do registo das duas peças e a sua classificação como provenientes da ponte velha de Algés com as devidas provas documentais e fotográficas. Ora foi com evidente alegria que constatei que o museu da cidade se dignou aceder ao meu pedido e deu seguimento à devida correcção. Podemos assim nos orgulhar de Algés ter agora duas peças de muito relevo na exposição, já que não se sabia a sua proveniência, seria pois como se de lá não viessem.
Infelizmente como "não há bela sem senão" o Museu da Cidade corrigiu a legenda mas incompreensivelmente acrescentou na pequena nota explicativa o seguinte paragrafo:
" A ponte de Pedrouços permitia a circulação de muitos peregrinos que demandavam a igreja do convento de Nossa Senhora a Boa Viagem (Junto ao atual Estádio Nacional)."
Esta nota explicativa não só demonstra desconhecimento da historia de Algés como também até da própria geografia da região de Lisboa, mais estranho ainda se tivermos em consideração que me prontifiquei a enviar um resumo da história daquelas pedras como suporte do meu pedido de revisão de registo. Ora nem a ponte de Algés tem nada a ver com a de Pedrouços, nem Algés nada tem especialmente a ver com o convento da Nossa Senhora da Boa Viagem, tem sim com o de São José de Ribamar, assim sendo lá voltei "à carga" e solicitei nova revisão da nota explicativa das peças. :-)
Ainda não tive oportunidade de voltar ao Palácio Pimenta, mas de qualquer forma conseguiu-se esta pequena vitória de termos hoje o nome de Algés naquele registo e a alegria de a sua história não se ter perdido para sempre.
(*) Os referidos moinhos serão os de Outurela e não de Linda-a-Velha