A margem direita do rio Jamor acolheu o sonho da construção de um Centro Desportivo em Portugal. Um lugar que contemplasse o desporto de lazer e o desporto de alto rendimento. Um lugar que posicionasse Portugal nos roteiros do desporto e dos eventos internacionais e, simultâneamente, servisse de propaganda às manifestações políticas do Estado Novo.
Um espaço que, na sua essência, fosse "um grande parque, sem luxo, de relvados frescos e árvores copadas, onde a gente de Lisboa brinque, ria, jogue, tome ar puro e verdadeiramente se divirta em íntimo convívio com a natureza", e no seu objectivo final, "um lugar de recreio e escola de desporto para todos (...)".
A sua localização não foi unânime, mas a proximidade de Lisboa e a imensidão do espaço foram factores decisivos. Um projecto pensado e estruturado a longo prazo, com a possibilidade de edificação de novas construções desportivas e de lazer.
A história relata que a concepção e construção do Estádio Nacional não se deve somente a uma personalidade, mas sim a centenas, talvez milhares, de figuras da época. É nosso dever destacar: Duarte Pacheco, Ministro das Obras Públicas e Comunicações, como o mentor e gestor de toda a obra, e os Arquitectos Paisagísticos Cristino da Silva, Carlos Ramos, Jorge Segurado, Francisco Caldeira Cabral, na criação e idealização do projecto da mancha florestal do Jamor, e por último o Arquitecto Miguel Jacobetty, como o coordenador do projecto inicial do Estádio Nacional.
O primeiro grande projecto data de 1939. Um projecto de inspiração alemã, que surgiu na linha dos grandes centros desportivos internacionais, símbolo de países autocratas e de governos de regime nacional-socialista. Este contemplava uma área total de 204 hectares desprovidos de qualquer tipo de arborização - daí a inclusão de um estudo aprofundado das espécies de árvores a plantar nas colinas e vales do Jamor - e a criação do Parque da Serra de Monsanto. Pretendia-se que fosse um espaço polivalente de desporto e lazer, que permitisse uma utilização poli facetada.
Decorria o ano de 1944 quando se inaugurou o Estádio Nacional, que contou com a presença de 50.000 espectadores e 12.000 praticantes, das mais diversas modalidades desportivas. Um espectáculo que assumiu tal grandiosidade, que ficou para sempre marcado como o momento do Desporto em Portugal.
Duarte Pacheco, no seu projecto náutico para o Jamor, pretendia expandir o complexo desportivo do Estádio Nacional até ao rio Tejo. A sua morte prematura, em 1943, acabou por condicionar essa ambição. Com o encerramento das fábricas de Lusalite e Fermentos essa ideia poderia ser recuperada mas o já aprovado plano de pormenor para a margem direita do rio Jamor tem outras ideias para o espaço: a construção de cinco torres, uma delas com 20 pisos, destinadas a habitação, comércio e serviços e um viaduto sobre a Avenida Marginal.
O plano inicial de 1939 para o Estádio Nacional, hoje denominado Complexo Desportivo Nacional do Jamor (CDNJ), previa a reconversão para fins desportivos do espaço ocupado pela antiga Lusalite e Fábrica de Fermento Holandeses, na Cruz Quebrada.
Ai, nesses terrenos entre a Avenida Marginal e o rio Tejo, Duarte Pacheco, o ministro das obras publicas e comunicações do Estado Novo, projectava uma zona reservada para desportos náuticos, marinas, cais fluviais, áreas florestais, de circulação e parque de estacionamento.
Na edição de 1943 das Memórias da Linha de Cascais, as autoras Branca de Conta Colaço e Maria Archer recordam o que ai existia: "na margem direita do Jamor pouco há que ver nesta altura da Cruz Quebrada. No local agora ocupado pela Fábrica da Lusalite, a fábrica de fermentos holandeses alongava-se, antigamente, o campo desportivo dos ingleses, mais antigo que as duas fábricas."
Desmanteladas as fábricas da Lusalite e dos Fermentos holandeses, há mais de 15 anos, todas as condições estavam reunidas para que o plano inicial para o CDNJ pudesse ser concretizado: num projecto de marina, ou outro projecto de âmbito recreativo e turístico neste local pode restaurar a ligação com a praia da Cruz Quebrada e o passeio marítimo Cruz Quebrada-Caxias e constituir uma ampliação do CDNJ.
Mas, não.
Isso seria a concretização do sonho de Duarte Pacheco e dos arquitectos Caldeira Cabral e Konrad Wiesner. O visionário político pretendia realizar a construção de um pulmão verde no coração de Lisboa, que apelasse "à quietude e à interioridade. Um lugar para atletas, famílias ou simples amantes do desporto e da mãe-natureza".
Fiel à ideia original do politico, o primeiro Regulamento de Exploração do Estádio Nacional, de 1948, defendia que a gestão do Estádio devia ser feita, "tendo sempre em atenção o propósito de fazer do Estádio Nacional uma escola de educação física e de desporto para todos os portugueses".
Ao contrário, foi aprovado já em 2014 o Plano de Pormenor da Margem Direita da Foz do Rio Jamor que contempla a construção de um viaduto sobre a Avenida Marginal e pela empresa proprietária dos terrenos, o Grupo SIL, um investimentos de 300 milhões de euros em de cinco torres, uma delas com 20 pisos, destinadas a habitação, comércio e serviços para uma área de 15 hectares junto ao rio Tejo, na freguesia da Cruz Quebrada.
O engenheiro, que deixou o seu nome ligado, entre outras obras, à construção do Estádio Nacional, a marginal Lisboa-Cascais, a Fonte Luminosa, em Lisboa, Parque de Monsanto, viria a falecer aos 43 anos em 16 de Novembro de 1943 num acidente automóvel, ainda antes da inauguração do Estádio Nacional que decorreu perto de meio ano depois, a 10 de Junho de 1944. A sua morte vira a comprometer a politica de obras publicas de Oliveira Salazar e a continuidade de alguns dos projecto, nomeadamente o plano inicial para o Estádio Nacional.
Quando foi extinta, em 1948, a Comissão Administrativa das Obras do Estádio de Lisboa, instituída para dirigir e administrar a sua construção, ficaram por concretizar numerosas instalações previstas no plano geral inicial, nomeadamente: as piscinas e o tanque para saltos, o hipódromo com as pistas de corridas, bancadas e picadeiros, courts de ténis, campos de futebol, voleibol, basquetebol e um ringue de patinagem, e balneários. Também não se construíram os campos de futebol, voleibol, ténis e tiro para a Mocidade Portuguesa, um albergue e a Escola de Graduados, tudo a realizar na Quinta do Balteiro. E ficou por regularizar o curso do Rio Jamor e o acesso do complexo desportivo ao rio Tejo.
Do controverso estadista Duarte Pacheco e da sua personalidade conta-se que durante o vasto processo de expropriações que permitiam viabilizar as vias de comunicação, assim como o Parque Monsanto e o Estádio Nacional, teria entrado com a sua comitiva na Quinta da Graça, no Jamor, sem autorização para inspeccionar os terrenos. A sua proprietária foi avisada pelos trabalhadores quando estava a acompanhar as culturas agrícolas. Montada a cavalo, não esteve com meias medidas: esporeou o cavalo e expulsou os invasores sem quaisquer contemplações. Essa ousadia saiu-lhe cara. O ministro de Salazar deu-lhe apenas três meses para deixar a quinta e, como não o conseguiu fazer, teve de pagar renda na sua própria casa durante vários meses até conseguir arrendar uma outra propriedade na Cruz Quebrada. Esta história exemplifica bem o poder de Duarte Pacheco, apoiada na politica do Estado Novo.
Hoje, felizmente, em democracia tudo é diferente. Já não é um regime ditatorial que impõem expropriações forçadas para a construção de infraestruturas publicas desportivas e redes viárias.
Hoje, tudo em democracia, são os interesses privados que se impõem, com todos os pareceres necessários e o voto da maioria dos partidos municipais, para decidir sobre terrenos públicos e privados, subordinando os primeiros aos últimos e permitindo a apropriação e instrumentalização de terrenos públicos para fins privados.
Quando se deveriam aproveitar todas as oportunidade para melhorar e aumentar aquele que é um património arquitectónico desportivo, nas palavras de Paulino Pereira em "Estádio Nacional - Um paradigma da Arquitectura do Desporto e do Lazer -, "talvez a única estrutura desportiva, de grande dimensão e com carácter nacional, que o País possui e constitui um primeiro marco na história das infra-estruturas desportivas de Portugal" , os poderes autárquicos e nacionais optam pela politica do betão.
Numa politica que tem vindo a pressionar o CDNJ com projectos imobiliários de grande dimensão no seu interior como a Cidade do Futebol, ou nas suas margens como é o Alto da Boa Viagem ou este junto à Praia da Cruz Quebrada, o plano de pormenor da Câmara de Oeiras que abrange uma área de 27,6 hectares na Margem Direita da Foz do Rio Jamor, foi aprovado pela Assembleia Municipal de Oeiras. Cinco edifícios destinados a habitação, comércio e serviços, um hotel e estacionamento. Contempla ainda construção de um viaduto sobre a marginal. Implantadas quase em cima da foz do Jamor, a escassos metros do rio Tejo, em zona de elevadíssimos riscos naturais, vulnerável aos riscos de cheia (fluvial), inundação (marinha) ou erosão costeira.
http://endurance1963.weebly.com/
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