terça-feira, 29 de maio de 2018

A cadeira Gonçalo, uma cadeira que nasceu em Algés e correu o mundo




 Uma cadeira de ferro composta por quatro peças fundamentais: dois tubos, um encosto e um assento. O primeiro tubo define as duas pernas traseiras, o apoio para os braços e o contorno superior do encosto, o outro compõe as duas pernas dianteiras e o contorno do assento. O encosto é curvo e ligeiramente inclinado, e o assento, também levemente inclinado, tem a frente curvada.



 A peça terá nascido entre os anos 30 e 40, no número 16 a 18 da Rua Alegre, em Algés, a primeira casa da Arcalo. Produzida pelas mãos do mestre serralheiro Gonçalo Rodrigues dos Santos, na década de 40, a cadeira já podia ser encontrada na esplanada do Café Lisboa, na Avenida da Liberdade ou nas esplanadas da alameda de Algés. Ainda assim, o modelo original apenas viria a ser registado nos anos 50, com o nome de cadeira modelo 7, pelo seu criador. Terá sido nos anos 30 que se viram os primeiros exemplares sobre a calçada lisboeta. Primeiro em espaços de tertúlias como o Café Nicola e A Brasileira, a cadeira acabou por ir de férias e começou a surgir também em locais de veraneio.

A antiga fábrica na Rua Alegre em Algés





 Manuel Caldas, de 67 anos, é o actual dono da fábrica que se encontra hoje em dia no Cartaxo, local onde a Arcalo dá, diariamente, continuidade a este ícone do design português.Nasceu na mesma rua da cadeira. “Todos os dias passava à porta da Arcalo”, relembra. O encarregado, Serafim, e outros trabalhadores eram seus conhecidos desde miúdos e com 17 anos começou a trabalhar na empresa. “Eu trabalhava no comércio, mas de vez em quando gostava de trocar e lá saltava para o ferro”, conta.

Depois de um período emigrado na Alemanha, regressou a Portugal e apercebeu-se que a Arcalo estava para fechar. O tempo fez com que o negócio esmorecesse mas o antigo empregado da fábrica quis recuperá-lo. “Achei que a fábrica merecia mais respeito e continuidade”, explica. Na altura, Gonçalo Rodrigues dos Santos já tinha falecido e nem os filhos nem o encarregado estavam nessa disposição. “Eu arrisquei”, lembra Manuel Caldas. O filho do mestre Gonçalo aceitou a proposta, corria o ano de 1994. “Achei que era uma parvoíce acabar com a empresa e apostei na cadeira.”

Manuel Caldas, dono da fábrica, nasceu na mesma rua da cadeira. Foto Cristiana Borges


Em 1995, Manuel Caldas apresentou ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), um pedido de registo da Arcalo como marca, mas só em 1997 ele foi concedido. Desde aí, a fábrica é reconhecida como marca nacional de móveis metálicos. Ainda em 1995, o proprietário viu o design da sua cadeira ser também registado como modelo industrial nacional. “Cadeira destinada a esplanadas e outros recintos abertos ou fechados”, lê-se na epígrafe do processo disponível na base de dados do INPI. O resumo é simples: “cadeira conjunto de linhas geométricas, ângulos no encosto, pernas e assento”.




Em homenagem ao homem que lhe deu vida, Caldas batizou-a Gonçalo. “Entendi que esta tinha de ter um nome para ser uma senhora cadeira, senão seria só mais uma”, diz. Em 1995, o industrial fez um último pedido que consistia em registar a Gonçalo enquanto marca nacional. Dois anos mais tarde, o requerido viria a ser aprovado pelo INPI e, por isso, Manuel Caldas afirma: “A cadeira Gonçalo é só nossa, embora toda a gente chame Gonçalo a todas as outras e elas não o sejam.”



Com quatro anos a comandar os destinos da marca, surgiu o maior desafio da história da Arcalo: equipar todo o recinto da EXPO 98. “Em Algés não havia capacidade”, recorda Manuel Caldas. Para fazer as 9.000 cadeiras que tinham sido encomendadas, a fábrica foi obrigada a mudar-se para Torres Vedras. “Demorou três meses a fazer”, conta o industrial. A visibilidade da EXPO trouxe mais procura pelo artigo. “Na altura todos beneficiaram, até a concorrência.”


A História De Um Mestre





A história da cadeira Gonçalo remonta ao início do século 20. Em apenas 22 anos, Gonçalo Rodrigues dos Santos era um orgulhoso Mestre Artesão. Muito jovem, ele decidiu estabelecer-se em Lisboa, Portugal, e abrir sua própria oficina. Naqueles primeiros dias, Mestre Gonçalo e as suas dezenas de trabalhadores trabalhavam e faziam à mão um pouco de tudo, de acordo com as ordens do cliente. Estes incluíram grampos para correias de máquinas, saltos para calçados femininos ou mesmo juicers frutas.

A cadeira de metal famosa veio depois. Por causa de seu irmão, Mestre Gonçalo visitou a França várias vezes e foi lá onde se inspirou.

Após os primeiros desenhos da cadeira, o Mestre encontrou seu primeiro problema artesanato: A Dobra de um tubo de ferro. Estudar, veio em seguida, mais desenhos, experiências. Dias, fins de semana, semana após semana, até que finalmente conseguiu: o seu próprio design e invenção – o seu próprio ferro máquina de dobra.
 O Café ‘Chave de Ouro’, fundada em 1916, foi a primeira a encomendar as novas cadeiras concebidas e criadas por Mestre Gonçalo. O projecto foi mais tarde aperfeiçoado para equilibrar o conforto e a estética até a década de 50, onde ela tem a sua forma final.
Por esse tempo, a sua prova de ferrugem, características robustas e empilháveis concebidas pelo mestre Gonçalo encontrado o seu lugar diretamente sobre esplanadas e em parques públicos em todo o país.



Seu design foi puramente resultado da análise empírica. Naquela época, uma das inovações surpreendentes foi a invenção da máquina de dobrar tubo, que Mestre Gonçalo foi aperfeiçoando para moldar as curvas elegantes necessáriasminimizando o número de pontos de soldadura.
Naqueles dias, a ergonomia era eram os trabalhadores que analisavam nos protótipos e, em seguida, avaliava características básicas, como o conforto e a capacidade de empilhar várias cadeiras. Dentro de décadas de tentativa e erro, o resultado é uma das cadeiras mais confiáveis já feitas.
Hoje, este processo ainda é feito à mão por artesãos especializados.

A cadeira Gonçalo tornou-se um ícone da estética industrial portuguesa. A sua popularidade dentro de terraços em Lisboa concedeu-lhe um lugar na Colecção do Museu de Lisboa de Design e da Moda (MUDE) como um símbolo da cultura Portuguesa.



1961 Esplanada da avenida da Liberdade, fotografia de Artur João Goulart

1961 Esplanada da avenida da Liberdade, fotografia de Artur João Goulart

1956 Parque Eduardo VII, esplanada, fotografia de Armando Maia Serôdio 
1956 Esplanada da Cruz das Oliveiras, fotografia de Armando Maia Serôdio

1961 Esplanada do café Caravela d'Ouro, fotografia de Arnaldo Madureira

1956 Parque Eduardo VII, esplanada, fotografia de Armando Maia Serôdio