segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

1964-01-29 A «Habitat» começará muito brevemente a urbanização do Vale de Algés



1964-01-29 Diário de Lisboa




 Por várias vias obtivemos informações seguras de que, em breve, terminará a realização de uma ideia grandiosa pelo seu alcance social, que transformará os amplos terrenos do Vale de Algés numa cidade-Parque maravilhosa, a escassos minutos do centro da capital, A fim de satisfazer a curiosidade publica, intencionalmente mal informada a respeito deste magno plano de urbanização, procurámos documentar-nos junto da Sociedade Anónima Habitat com, escritório em Lisboa na Av. da Republica, 42-AC, proprietária da quase totalidade dos terrenos, tendo ficado autorizados a esclarecer que o empreendimento será em breve iniciado de acordo com as directrizes e orientações oficiais, que asseguram a transformação do Vale de Algés numa aprazível zona residencial de características talvez únicas no nosso País, mercê de uma iniciativa generosa associada a uma visão perfeita do problema. Apesar de jogo de Interesses, a obra que vai iniciar-se consolidou-se e tomará forma real; outorgando merecido e justificado orgulho aos realizadores desse magnífico empreendimento, demonstrando o que pode alcançar a vontade no exercício da sua função, através de uma acção valiosa. exercida pela importante Sociedade Habitat» que bem merece confiança, crédito e prestigio.


No campo da acção 

 Orientámos-nos, desde a Praça de Touros de Algés, para localizar os terrenos onde a «Habitat», por iniciativa própria, vai começar a exercer a sua actividade construtiva e materializar a ideia com que nasceu. Estão situados entre a Marginai e a Auto-Estrada, limítrofes com o Parque Florestal de Monsanto. no triângulo turístico mais evoluído do País. A comunicação com o centro da capital é rápida e cómoda, pois, utilizando a Auto-Estrada, a Praça Marquês de Pombal fica a 4 minutos e, a do Comércio, a 6 minutos de trajecto.
 De Norte a Sul, a zona residencial é atravessada por uma ribeira que nos consta será canalizada, ficando a descoberto nalguns sítios para embelezamento do conjunto e prática de desporto náutico. Desde a parte Norte dos referidos terrenos avistam-se uns viveiros com dezenas de militares de árvores de diversos plantios, que se destinam para os Jardins da grandiosa urbanização.
 A vista recreia-se numa paisagem repousante e a percepção do futuro entra pelos olhos e excita a fantasia. É um sítio adequado para estabelecer uma selecta e grande zona residencial, tendo como vizinhos naturais, o mar e o Parque, que em dialogo festivo dão vida e cor á paisagem natural.
 É forçoso avaliar os diversos e contínuos transportes que se podem utilizar, Seis em direcção ás povoações de beira-mar e Costa do Sol ou Lisboa-Centro. mediante a utilização dos serviços ferroviários da linha Estoril, dos eléctricos, autocarros e, a seu devido tempo, do metropolitano. Pensando, com lógica, este empreendimento imprimirá ao Concelho de Oeiras uma muito mais categorizada prestancia, e, a Algés um aumento de prestígio e vida, que se reflectirá em muitas aspectos, com as características de uma cidade nova e moderna, dando a mão a Lisboa.




Em contacto directo

Decididos a completar com garantias a informação, fomos á sede da Sociedade «Habitat», onde gentil e deferentemente fomos atendidos pelo digno Presidente do Conselho de Administração, Sr. Joaquim Peña. Este Senhor, obsequioso cavalheiro da irmã Espanha. de espírito franco, ideias precisas e sinceridade natural, acolhe as nossas perguntas - benévolamente e presta-se a elucidar-nos em tudo, satisfazendo em absoluto a finalidade da nossa visita. As perguntas foram iniciadas num ambiente cordial:

 —Como formou a Ideia do seu grande empreendimento?
— Tive coma base o grave  problema habitacional da Capital, o nível de vida geralmente insuficiente e as rendas excessivamente elevadas para as possibilidades económicas da maioria. Pensei, que dispondo de terrenos com situação priveligiada e que toda a pessoa humana aspira a adquirir casa própria, poderia orientar-me a satisfazer tão natural aspiração da classe média. em condições favoráveis e especialíssimas. Pondo uma conduta social ao serviço das esperanças de milhares de famílias, constituídas principalmente por profissões liberais, como a elite da inteligência, do comércio e do trabalho mental. Partindo do princípio de que as suas possibilidades não lhe permitem realizar o sonho de sempre e que as aparências sociais exigem muito, até forcar-lhes a satisfazer as rendas excessivas da construção bem situada e acondicionada, cheguei á conclusão que o seu sonho era difícil de converter-se em realidade. A minha intenção era e é poder favorecer e animar essas aspirações.

-E supunha ser realização fácil?
-Ao contrário, difícil. Muito difícil para uma empresa particular, desejosa de poder contribuir para a solução de um problema existente. e intenso, prescindindo do concurso de grandes capitais, e dos juros comportáveis e a longo prazo.

-Por si só, seria possível realizar totalmente o projecto?
- O aspecto financeiro então não me preocupava, devido a possuir somas disponíveis no País e estrangeiro, sobradamente suficientes, sem necessidade de recorrer aos créditos. Circunstancias posteriores e imprevistas, forçaram-me a destinar as somas em disponibilidade, a outros objectivos.

- Como é lógico, pretendia o Sr. Peña recorrer ao financiamento com capital nacional. Não é assim?
-Assim fiz, Porém, tive que desistir, em fase das condições inadmissíveis que fariam perigar o controle da minha própria iniciativa estando neste momento assegurados os resultados financeiros necessários.




— Qual é o desenvolvimento e actividades da Sociedade que administra?
—Para dar resposta a essa pergunta, tenho que me referir á Fundação Santa Isabel, que fundei no ano de 1960 e que tem por objectivo principal á eliminação dos bairros de barracas existentes chamadas de Santas Martas e Pereiros, em Algés, devendo construir 550 alojamentos para gente humilde e pobre, sem condições de vida digna nas barracas, onde fazem por viver. A sua construção está orçamentada em 32 500 Contos, não incluindo o valor dos terrenos. Para esse fim, altamente social, fiz entrega de 10 000 contos á Fundação e o que resta por entregar, efectuar-se-á, de acordo com as condições firmadas com a Municipalidade de Oeiras. É um compromisso adquirido. As obras começarão em breve' e 550 famílias ficarão vivendo sem a tristeza da miséria do seu alojamento e livres de um ambiente de asfixia. Não creio necessário ter que ponderar o seu alcance social, ainda que convenha afirmar que a fundação em referência á orientação social de Habitat.

-Pode, o Sr. Peña, antecipar-me os objectivos do empreendimento da sociedade propriamente dita?
-Com muito gosto. O seu empreendimento é de muito maior transcendência. Habitat, na sua grande realização no Vale de Algés, construirá uma cidade atractiva, dotada do máximo conforto e equipamento, dispondo de 22 parques infantis, de escolas para ambos os sexos, pré-primárias. primárias, particulares e de ensino religioso e, até, de internatos, que a juventude abandonará para frequentar as universidades. Esta magnificente e nova cidade, será das mais completas nos aspectos cívico, desportivo e comercial.

—Como o desporto «é o pão nosso de cada dia», agradeceríamos que detalhasse esse aspecto. Pode ser?
—Com multo prazer. Além de um grande centro desportivo publico, terá um campo de futebol, Ringue de Patinagem, Basquetebol, Voleibol, Balneários, Vestiários, Esplanada-Bar e Sala de festas para os associados, assim como um moderníssimo Country-Club destinado aos futuros proprietários que por este facto terão direito de sócios e no qual quase todos os desportos estarão ali representados. Constará de piscinas de Verão e de Inverno. Court de Ténis, Picadeiro, Frontão Basco, golfito, Salas de Esgrima, de Bouling e Salas Recreativas de jogos de Salão e, ainda, um grandioso restaurante club-dancing, para exibição das melhores shows internacionais. Neste esplêndido conjunto desportivo e recreativo, construiremos um grande e digno hotel, acondicionado ao ambiente. Que associado dos grandes clubes internacionais, possibilitará a passagem e estadia em Lisboa, dos magnates das finanças, das industrias e das figuras relevantes da literatura e da política.

- Essa grandiosa urbanização que características ideais tem?
-Do privilégio da sua situação e conjunto, resultará uma das mais belas cidades residenciais do mundo, com a enorme vantagem de ficar quase ligada ao centro da Capital, ás zonas comerciais importantes e secções «administrativas. Dizem os nacionais e os estrangeirou que visitaram a exposição e contemplaram os Projectos e a maqueta «que Portugal pode sentir-se orgulhoso de obra tão gigantesca».

— Quantos edifícios serão construídos para as classes sociais. que antes fez referência?
—A Habitat construirá cerca de 4000 andares, que serão vendidos em propriedade horizontal, de maneira especialíssima e não utilizada ainda.

—pode concretizar-nos essa modalidade?
—Está concretizada na respostas anterior e quanto a, detalhes oportunamente serão do domínio Publico. Toda essa grandiosidade para facilitar uma vida socialmente amena, não seria completa se não fosse assistida pela parte religiosa, a satisfazer as necessidades do espírito; a Habitat, destinou uma grande soma para construir unta sumptuosa igreja e centro paroquial, condignos do empreendimento, que foi oferecido a Sua Eminência, o Cardeal-Patriarca.

-Uma ultima pergunta, Como foi recebida a ideia geral pelos Organismos Oficiais?
— Devo vénia de agradecimento ao Senhor Ministro das Obras Publicas, Exº Senhor Eng. Arantes e Oliveira, ao Exº Sr. Eng. Sá e Melo, então Director dos Serviços de Urbanização e Plano Regional e á Exª Câmara de Oeiras e seu Digno Presidente, Sr. Arquitecto Costa Macedo, pelo encorajamento, compreensão e assistência moral concedidos. Totalizando: «a minha ideia deixou já de ser Propósito, para converter-se, muito em breve, numa grandiosa realização,

Felicitando efusivamente o Sr. Joaquim Peña pela sua valia moral, desejamos à Habitat, como empresa mentora e realizadora, o maior dos êxitos nessa obra construtiva, económica e social, que a responsabiliza e engrandece.


Noticia do arquivo da CMOeiras

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

A Capela do Convento de São José de Ribamar




 O convento de S. José de Ribamar foi fundado em 1559 por Dom Francisco de Gusmão, fidalgo cavaleiro da Casa da infanta D. Maria, e sua mulher Dona Joana de Blasbelt. A igreja foi dedicada a S. José. O convento inicial, de construção precária, ruiu em 1595, sendo posteriormente reconstruido. No início do século XVII, Dom Pedro Castilho (bispo inquisidor-geral) mandou fazer a sacristia e reedificar a casas do cardeal. Mais tarde, em 1617, foi construída a casa do capítulo, a abobada da igreja e aumentado o número de celas, tendo agora o convento a capacidade para 30 frades. Nos finais do século XVII, era venerada por muita gente uma imagem do Menino Jesus que havia na sacristia do convento. Com a extinção das ordens religiosas em 1834, o convento e as suas terras foram vendidas a José Marques da Costa soares. Em 1872, o conde de Cabral comprou a propriedade e o velho convento foi transformado em palacete para habitação. São do século XIX as muralhas que suportam as terras de Ribamar, o torreão e as duas guaritas. Actualmente, o antigo convento e posteriormente palacete conserva ainda elementos arquitectónicos e paisagísticos de grande interesse histórico e artístico. A igreja, a sacristia e o claustro, os painéis de azulejo e o palacete de arcarias estão enquadrados pelos belos jardins com vegetação exótica e rara (dragoeiros, palmeiras e outras espécies). 

CLASSIFICAÇÃO: Imóvel de valor concelhio, de acordo com o Edital nº 184/2004 (2ª série), publicado no Diário da Republica Nº 67, II Série, 19 de Março de 2004.



1961 Capela do Palácio do Conde da Foz (Convento São José de Ribamar), 
fotografia de Eduardo Portugal


O estatuto dos frades arrábidos (que dos franciscanos eram os de regras mais apertadas) — dispunha que as igrejas de seus conventos não podiam ter de comprimento mais que oitenta palmos, medidos da porta de ingresso até a parede de fundo do altar-mór. Pois a de São José de Ribamar em Algés era mais pequena. Tinha, porém, três altares, — o principal e dois colaterais. No altar-mór estavam duas imagens muito veneradas, uma de cada lado do sacrário — a de Nossa Senhora da Conceição, cuja festa era custeada pelo conde de Aveiras, D. João da Silva Telo (o que vendeu o palácio de Belém ao Senhor D. João V) e a de S. José — padroeiro da casa — que todos os anos, a 19 de Março, era objecto de devota festividade promovida pelos condes de Santa Cruz, depois marqueses de Gouveia e mais tarde duques de Aveiro, família que veio a ter um dos fins mais trágicos que a nossa História regista. No retábulo, de boa obra de talha, que ainda existe embora deslocado de seu primitivo lugar, veneravam-se, cada qual em seu nicho, mais quatro imagens — a de S. Francisco das Chagas, que era festejado pelo proprietário do cargo de provedor da Alfândega; a do portuguesíssimo Santo António, cuja festa corria por conta da casa dos condes de Castelmelhor; a de S. Luiz, bispo de Tolosa, de quem se não esqueciam os marqueses de Nisa; e, finalmente, a do grande reformador e instituidor dos arrábidos, S. Pedro de Alcântara, o qual, no curioso dizer do cronista, «se contentava com a solenidade da Província».
 Nos outros altares viam-se: no do lado da Epístola, S. João Baptista e no da banda do Evangelho, a milagrosa imagem do Menino Jesus, que fôra dádiva do sexto conde de Portalegre, D. Diogo da Silva, que aí estava sepultado. - A imagem do santo padroeiro da casa era famosa para, por sua intercessão, se alcançar sucessão nos matrimónios. Dera-a Dona Filipa de Sousa, mulher de Diogo das Póvoas, que foi provedor da Alfândega de Lisboa. Este casal aspirava a ter um herdeiro, mas as suas pretensões sempre se haviam malogrado e, por isso, já desesperavam de o alcançar. Logo que a bem-dita imagem de S. José foi colocada no altar, Dona Filipa implorou seu valioso patrocínio para o deferimento, pelo Altíssimo, de seu maior desejo e, diz a história, obteve o almejado despacho tendo, meses depois, a Luiz das Póvoas, que lhe sucedeu no morgadio. Este facto tornou-se conhecido e levou muita gente a apegar-se com o Santo Patriarca para conseguir a fructificação de seu leito.

1961 Entrada para a capela do Palácio do Conde da Foz (Convento São José de Ribamar), fotografia de Arnaldo Madureira


 Não resisto à tentação de contar-lhes uma história curiosíssima, embora me arrisque a não ser novidade.
 Dona Maria Francisca Isabel de Sabóia, que foi Rainha de Portugal e (por via de seu matrimónio com o Senhor D. Afonso VI ter sido anulado) depois Princesa Regente, porque a razão de Estado a obrigou a desposar seu cunhado, D. Pedro — Dona Maria Francisca, ia dizendo, para assegurar-se da ventura de dar sucessão ao Reino, prometeu uma novena de sábados a S. José de Ribamar, quer dizer: prometeu vir nove sábados consecutivos a fazer suas orações perante a milagrosa imagem do Santo patrono do convento. E deu começo à devota promessa ao mesmo tempo que uma outra senhora, fidalga e titular que, andava cumprindo idêntico fadário. No segundo sábado, porém, sucedeu coisa estranha e que deu muito que falar. A fidalga chegou mais cêdo e, como encontrou a porta da igreja fechada, foi em busca do irmão porteiro para que lha abrisse. Ele não se fez rogado e acudiu prestes, mas... por mais voltas que desse à chave não conseguia que ela pegasse nas guardas da fechadura. Teimou, empenhou-se na tarefa, porfiou, suou, empregou todos os esforços, chegou mesmo a pecar e a transgredir os preceitos da Ordem (perdendo a paciência e irando-se contra a engrenagem), mas a fechadura a nada se moveu e a senhora teve de contentar-se em fazer as suas orações desde o alpendre e regressar casa, com negros pressentimentos sobre o futuro da sua aspiração. O frade, porém, ficou-se mortificado até a medula...  porque o bergantim em que viajava a esposa do Príncipe Regente, D. Pedro, já se avizinhava na praia. A excelsa visitante desembarcaria brevemente e a maldita da fechadura seguia apostada em desfeitear as visitas, por mais alta que fosse sua hierarquia. E o bom do arrábido, cada vez mais perturbado, não atinava com uma saída airosa para tão grave embaraço. Até que tomou a resolução heróica de ir falar ao padre guardião a pedir-lhe licença para arrancar a engrenagem. No entretanto chegava Sua Alteza... e o frade, atrapalhado, inconscientemente, pela força do hábito, fez, mais uma vez, menção de abrir a porta dando a volta à chave... Mas... ¡oh prodígio! ... ¡oh maravilha! ... A fechadura obedecera suavemente, funcionara como se estivesse untada de fresco e a porta, girando nos fortes gonzos, ¡patenteou a entrada franca a Dona Maria Francisca Isabel de Sabóia! O caso foi faladíssimo e não faltou quem o interpretasse no sentido da Princesa encontrar aviamento a sua pretensão e da concorrente vê-la malograda. Os factos vieram, na devida altura, demonstrar o acerto dos vaticínios. No dia de Reis do ano seguinte (1669), as náus de guerra e todas as fortalezas salvavam. Todos os sinos de Lisboa repicavam festivos e, em acção de graças, o verbo assombroso de António Vieira reboava sob as abóbadas da Capela Real de Santo Tomé, nos Paços da Ribeira. é que a novena de sábados, que a Sereníssima Princesa levara a cabo ante a prodigiosa imagem de S. José de Ribamar, sempre alcançara bom despacho. Acabara de nascer uma menina que, a 2 de março seguinte, conduzida nos braços do chique de Cadaval, D. Nuno Álvares Pereira de Melo, iria a baptizar pelo bispo de Targa, D. Francisco Sôtomaior, sendo padrinho Luiz XIV — o Rei Sol — representado por seu embaixador na Côrte, o padre Saint-Romain. Essa menina era a Princesa Dona Isabel Luiza Josefa que chegou a ser jurada herdeira da coroa portuguesa, antes que seu Pai tivesse de seu segundo matrimónio (e sem a mediação de S. José...) o futuro D. João V.


Princesa Dona Isabel Luiza Josefa