terça-feira, 15 de março de 2011

As Portas de Algés e as Pontes sobre a Ria




Há 100 anos atrás, quando alguém chegava ao concelho de Lisboa encontrava uma cidade murada por perto de 20km de muralha. Para entrar na cidade havia "apenas" 26 portas. Cada uma delas funcionava como posto fiscal e delegação das alfândegas de Lisboa.
Em 1885 Lisboa sofreu nova reestruturação administrativa, desta feita com a inclusão no respectivo concelho de algumas das freguesias que em meados do século tinha perdido para Belém e Olivais. Nesse ano é definida nova circunvalação e após algumas hesitações legislativas a cidade cresce até aos limites actuais. É também nesse ano que começa a construção das várias portas e vários troços de muro.
Meio século passado, em 1922 os limites fiscais do concelho de Lisboa são abolidos pela lei nº 1368, esvaziando os edificios da sua função. O crescimento urbano destroi praticamente todas essas estruturas, restando apenas as Portas de Benfica, e pequenos troços de "muralha" nos locais mais inacessíveis.
As várias portas deviam ter tido construções e arquiteturas diversificadas, no entanto existiram mais duas com afinidades morfológicas com as de Benfica: as Portas de Algés e da Calçada de Carriche, hoje em dia complectamente demolidas.

antigo postal com as "Portas d'Algés" e o excerto do "Levantamento da Planta de Lisboa, 1904-1911"
com a localização da mesma (N38º 41,913 W009º 13,626 - mesmo debaixo do viaduto da CRIL)


Perto das Portas podem ver dentre outros o edificio do teatro da Malaposta. Curiosamente, esse edificio e o seu nome derivam da existência das portas da cidade. Neste local existiu a estação de muda - a Malaposta. As diligências que transportavam o correio paravam aqui para descanso do pessoal e muda dos animais que a puxavam. Os novos cavalos atrelados à diligência, por estarem folgados, garantiam a velocidade que se desejava, para uma comunicação rápida.


Restos da antiga muralha de Lisboa que ia até ás Portas de Algés de que infelizmente já não restam vestígios na Freguesia



Ponte Velha sobre a ribeira de Algés, antes desta ter sido encanada por baixo da actual Avenida dos Bombeiros Voluntários.
O edifício com ameias que se vê à direita é o Posto Fiscal






Lápide da Ponte Velha de Algés, lado sul

Lápide da Ponte Velha de Algés, lado Norte

As Portas de Algés vistas do lado de Lisboa

Vista do Posto da Guarda Fiscal
A ponte Velha


A ponte Nova



Saloio na ponte Nova de Algés
Ponte Velha de Algés 



A Ponte Velha de Algés -  Gravura de 1848


No início do ano de 1848, numa publicação periódica lisboeta, a «Revista
Popular», semanário de «Literatura e Indústria» que se fazia acompanhar
de «gravuras originaes em madeira executadas por artistas nacionais», foi
impressa a que reputamos ser a mais antiga representação da desaparecida
Ponte de Algés, construída em 1608.
A gravura, de um artista não identificado, possui indiscutível valor iconográfico
e documental. Com um traço vigoroso e razoável rigor representativo,
revelam-se as características construtivas da velha ponte, que possuía um
só arco, de volta perfeita, com o tabuleiro de circulação a acompanhar a sua
modelação e alçado marcado por pilaretes e pináculos, solução que emprestava
uma maior elegância formal ao conjunto. O enquadramento paisagístico,
próximo e longínquo, revela a vegetação que brotava junto à ribeira, o
muro delimitador e um renque de árvores da quinta dos duques de Cadaval,
na margem esquerda, e uma casa, em posição travessa, na margem direita,
e, servindo de ponto de fuga de toda a composição, dois moinhos nos cabeços
de Linda-a-Velha.
Para lá da realidade representada, de meados do século XIX, que não diferiria
muito da do tempo da fundação da ponte, a gravura encerra outras
dimensões. Evoca a memória histórica de uma época em que as ribeiras,
mais ou menos caudalosas, que rasgavam o território oeirense e juntavam
as suas águas às do Tejo começaram a deixar de ser obstáculos à circulação
de gentes e de mercadorias que «das partes de Cascais, Oeiras e outros lugares
» pretendiam ir à capital (Frei António da Piedade, Crónica da Província
de Santa Maria da Arrábida…, 1737) e evoca a acção determinante de um
frade de Santa Catarina de Ribamar, Frei Rodrigo de Deus, que obteve junto
da Câmara de Lisboa a autorização e os meios indispensáveis à construção
das três pontes que passaram a servir o então Reguengo de Algés (sobre as
ribeiras de Algés, Linda-a-Pastora e Laveiras). Evoca, por outro lado, uma
paisagem natural e construída há muito desaparecida, seja a que a gravura
reproduz, numa atmosfera vincadamente bucólica e pitoresca que sensibilizou
outros artistas, como o rei D. Carlos (desenho a carvão, de 1886, muito
pouco conhecido, da «Ponte de Algés»), seja a que, num registo histórico
evolutivo, emerge em inícios do século XX, em que junto à ponte, qual fronteira,
surgem as chamadas «Portas de Algés», de controlo alfandegário e
policial, um moinho «americano», outras duas pontes e construções urbanas
que o tempo também acabaria por consumir. Evoca, ainda, mil e uma estórias
e vivências, que aqui, necessariamente, ficam por contar.
Joaquim Boiça
joaquimboica@gmail.com

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